No Balanço do Balaio

01. No Balanço do Balaio
Vander Lee

No balanço do balaio saculejo, saculejo, saculejo
Aí me dá um sono

Eu pego meu balaio lá pra Zona Norte
Com mais uma hora to chegando lá
É meu único meio de transporte
E com sorte eu consigo até sentar

É gente que entra, é sinal, é sinal
É malandro na porta que se segura
Que sai sem pagar na cara de pau
Moleque na traseira que dependura

Balaio que arranca mas não vai
Diga lá Seu Motô, quer que eu vá à pé
Balaio que balança mas não cai
Não me empurra, não pisa no meu pé

Ah, seria tão bom
Se eu morasse no São Bento, na Savassi
No Anchieta, ou no Sion

 

02. Passional
Vander Lee

O samba rolava solto pelas tantas da manhã,
Eu posava de passista, e ela minha cortesã.
Eis que chega o sambista de uma escola campeã,
Ela me deixou na pista pra bancar a anfitriã.

Rolavam Noel, Cartola, Paulinho da Viola e coisa e tal,
Mas ela pôs um balde de água fria no meu carnaval.
Girando feito donzela, nos passos do meu rival,
Eu que não sou de balela, fiz um samba passional.

Olha a folga dessa nega; o que ela faz comigo
Pra sorte dela sou de paz, não crio caso, não brigo

Senão eu rodava a baiana
Punha ponto final
E um de nós dois ia parar no hospital

Ô, nega
Isso não se faz, ô Nega,
Também sou sambista de valor.
Mas agora, pra mim chega
Juro por Deus, Nosso Senhor.
Na Avenida da Paixão
Meu peito não desfila mais,
Tu serás porta-bandeira
Que eu vou pra Minas Gerais.

 

03. Deus-Lhe-Pague-Card
Vander Lee

Se você levou um tombo, a ferida arde
E tá sem grana pra comprar pomada.
Se você tá biritado, tá ficando tarde
Se não for pra casa tem porrada
Tome um taxi, e use
Deus-Lhe-Pague-Card
Vá de taxi, e use
Deus-Lhe-Pague-Card.

É uma linha de crédito direta com o céu
Você compra, compra, compra, depois dá o chapéu.
Compra avião caindo, até fazenda no mar
E se aparecer alguém pra reclamar,
Negue tudo e use
Deus-Lhe-Pague-Card

Aquela Guita manjada,
aquele disco de Hard
A camisinha furada,
aquela blusa que encarde
Troque tudo e use
Deus-Lhe-Pague-Card

 

04. Quem me dirá?
Vander Lee

Para onde vai uma canção
Depois do acorde final?
Será que se vai,
Que se esvai?
Ou por onde entra, sai?
Onde vai dar um grande amor
Depois do desatar dos nós?
Será que é cinema, poema,
Ou só o fim do retrós?

Qual é o tempo da alegria,
se não for toda manhã?
Homem livre, céu risonho,
Cheiro doce, boca de romã?
Será fantasia, ideologia
Ou filosofia vã?

O que foi feito do meu eu
Depois que o seu me acometeu?
Heterogêneos, misturamos,
Veja só no que é que deu
Quem organiza essa bagunça
Dentro do meu coração…
Que agoniza e não entende
Uma mudança de estação
Pedaço de vida, sou massa falida,
Sou vaso sem flor
Me sopra uma brisa, me pega,
Me toca, me pisa sem dor.

Para aonde vai uma canção
Depois do acorde final?

 

05. Tô em Liquidação
Vander Lee

Uma garota Shopping Center
Descendo da limusine,
Em seu vestido tricoline,
Passando pela vitrine
Do meu coração…
E nem me viu…

Uma garota Shopping Center
E seu jeitinho petulante,
Tomando refrigerante,
Na escada rolante,
No meio do saguão…
Falei: psiu!

Meu coração tá de brinde,
Tô em liquidação.

Mas quem nasceu pra lagartixa
Nunca chega a jacaré.
Eu já gastei todas as fichas
Por causa dessa mulher.
Ela não gosta de samba,
Ela não anda a pé.
Ela é bonita pra caramba
E não dá mole “pra ralé”

Meu coração tá de brinde,
Tô em liquidação.

 

06. Galo e Cruzeiro
Vander Lee

Minha Preta não fala comigo
Desde primeiro de janeiro.
Ela me deu a mala eu fui dormir na sala,
Fiquei sem dinheiro.

Não tem mais feijoada, nem vaca atolada,
Rabada ou tropeiro.
Já fez greve de cama diz que não me ama,
Quebrou meu pandei……ro

Na hora do cruzamento, ela deu impedimento
Ou falta no goleiro
Pra aumentar meu tormento, meu irmão
Eu sou Galo e ela é Cruzeiro

Com o gol anulado, saí do gramado, voltei pro chuveiro
Isso tudo porque, meu irmão,
Eu sou Galo e ela é Cruzeiro

Caí de centroavante,
Pra médio-volante, agora sou zagueiro,
No último domingo ela foi jogar bingo
E eu fiquei de copeiro

Ela fala, eu me calo, ela canta de galo
Lá no meu terreiro
Ela apita esse jogo, ela é quem bota fogo
No nosso palhei……ro,

Ela finge que não, mas no seu coração
Ainda sou artilheiro,
Só faz isso porque, meu irmão
Eu sou Galo e ela é Cruzeiro

 

07. Românticos
Vander Lee

Românticos são poucos
Românticos são loucos desvairados
Que querem ser o outro
Que pensam que o outro é o paraíso
Românticos são limpos
Românticos são lindos e pirados
Que choram com baladas
Que amam sem vergonha e sem juízo
São tipos populares
Que vivem pelos bares
E mesmo certos vão pedir perdão
E passam a noite em claro
Conhecem o gosto raro
De amar sem medo de outra desilusão
Romântico é uma espécie em extinção
Românticos são loucos
Românticos são poucos
Como eu
Como eu

 

08. Neném
Vander Lee

Preciso de alguém
Que não me dê sossego
Que me tire uns bicho de pé
Me faça cafuné, me chame de seu nêgo.

Preciso de alguém
Que me escove os dentes
Que me faça muito carinho
Me sirva um bom vinho e me dê presentes

Alguém que me faça massagem e me passe pom-pom
Que adore uma sacanagem,
Me suje de batom

Eu preciso de alguém
Não me bate porque sou neném
Não me trate com desdém
Eu sou cheio de nhem nhem nhem
Nhem nhem nhem…

Preciso de alguém
Pra bater o meu ponto
Pra me dar roupa lavada, passada
E rir das piadas que conto
Que me traga jornal
Cafezinho, cerveja
E que nunca fique de mal,
Que não goste de música breganeja
Alguém que me dê mamadeira,
Me aplique Gelol
E de Ronaldinho me chame
Pra eu não dar vexame no futebol

Preciso de alguém…

 

09. Piti
Vander Lee

Pode abusar
Me mandar calar
Pode dar piti,
Me pedir papá,
Que eu dou.

Pode me chamar,
Pra te ensaboar,
Pra te seduzir,
Pra correr no bar
Que eu vou.

Pode fazer dengo,
Pode fazer manha,
Chama de desfrute,
Chama de piranha,
Que eu sou.

Pode me esnobar,
Me jogar no chão,
Seja meu Jeová,
Seja meu Pachá,
Seja Meu Patrão.

Pode me levar
Pro seu barracão
Pode me explorar
Pode me deixar sem nenhum tostão.

Mas ficar um dia só sem meu carinho,
Neguinho não
Isso não
Não pode não.

 

10. Fogo
Vander Lee

Eu posso querer a sorte,
Ver a cor, ter um norte,
Algum lugar pra alcançar…
Eu quero ver tudo azul,
No céu, correr pro Sul,
Pro seu, pro nosso cantar.

Quero um sorriso com dentes
Na cara da minha gente.
Quero ouvir nossa voz.
Eu tenho espada e escudo,
Canto e não vou ficar mudo,
Eu quero tudo pra nós.

Já construíram barreiras,
Bateram nossas carteiras,
Seqüestraram mil sonhos,
Já nos cercaram de muro,
Viramos filhos do escuro
Fazendo filhos tristonhos.
Eles brincaram de guerra,
Dividiram a terra,
Sabotaram meus planos de paz.
Antes que o fim nos alcance,
Por que não dar uma chance,
E aprender com os enganos, rapaz?

Por que negar o fogo desse seu olhar?

 

11. A Baiana Cover
Vander Lee

Você conhece Dorinha, cantora de samba do bar de João?
Pois é, andaram dizendo:
Ela mudou de vida, está no bem-bom.
Ela de noite sonhava, embalando casais,
Em canções sensuais, a girar no salão
Quando era dia pensava, como simples mortal,
Entre a roupa e o varal, entre o rodo e o sabão.

Todo final de semana
Voltava pra casa, tomando o buzum das quatro da manhã
Com cinquentinha no bolso, uma cantada barata
E o telefone de um fã.
E às sete em ponto já estava de pé
Com cafezinho pronto, acordando o mané.
Numa ressaca danada, e a nega revoltada
Rezava para um dia sair daquela maré
Pois é!

Um cara de Salvador, produtor de novela
Foi quem disse pra ela:
“Larga de ser clone, cover de Alcione,
Que tu vai ser agora é cantora de axé.”
A nega fez um regime, parou de fumar,
Mudou até de time, mandou o bofe pastar,
Colocou trancinha africana, com sotaque de baiana,
Inventou uma dancinha e virou pop star.

 

12. Truco Seis
Vander Lee

Lá vai Geronho,
Geronho pra Cabecinha,
Cabecinha pra Orico,
Orico pra Choriço,
Choriço pra Geronho…

Eu tô rico, tô bonito, tô na manha,
Sei que todo mundo ganha
Cinqüenta milhão por mês
Meu papagaio tem mestrado, doutorado,
Meu galo canta dobrado,
Meu cachorro late inglês
O meu barraco lá no alto da colina
Tem mordomo, tem piscina
E automóvel tenho três
No meu país todo mundo é inducado
Nem precisa de soldado
Prá levar nóis pro xadrez
E vai rodando quem é pé
Quem tá cortando
Você pisca, eu tô olhando
Você truca, eu boto seis

Truco seis, truco seis,
Truco seis, truco…

 

13. Quando chove
Vander Lee

Não tenho vinte e poucos anos,
Mas trago um cara muito novo em mim
Sou feito de perdas e danos
Me contradigo,
Me surpreendo no fim
Às vezes durmo vendo estrelas
Às vezes vou na contramão
Às vezes sou beleza rara
Às vezes dor e solidão
Mas esse cara que me move
Sabe o lugar que me convém
Me tranca em casa quando chove
E um samba triste logo vem
Da batucada faço um manto
Da poesia o meu altar
Cantar é o lugar mais santo
Onde o poeta vem deitar
Por isso vim me apresentar
E pedir a sua benção, meu senhor
Eu vim aqui pra fazer festa
Eu vim brincar de ser cantor

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